sexta-feira, 28 de maio de 2010

Dificuldades escolares: Panorama Histórico

               Sabemos que muitas crianças quando ingressam na escola, apresentam várias dificuldades. As mais freqüentes dizem respeito ao aprender a ler e a escrever e à realização de cálculos numéricos. Como esse fato tem sido interpretado ao longo dos anos? Afinal de contas, se as crianças fracassam nas disciplinas básicas não ficarão também impedidas de se apropriar de bens culturais, já que a palavra escrita é um meio essencial dessa apropriação? Na verdade, as dificuldades que as crianças encontram na escola não são atuais, refletem questões mais remotas. Passando, pois, rapidamente pelo final do século XVIIl até o século XX, encontraremos movimentos que tentaram, à sua maneira, lutar contra essas dificuldades.
              Assim, no século XVIII, a escola era vista, no ideário da Revolução Francesa, como uma das instituições essenciais à formação de uma nova ordem social, constituída por uma sociedade mais justa, igualitária, racional e sem privilégios. Nela se misturariam indivíduos de todas as raças, credos e religiões e todos poderiam adquirir conhecimentos, independentemente de suas origens. E, conforme seus méritos próprios, ascenderiam socialmente. Naturalmente, esta previsão não se confirmou. Quando os filhos dos trabalhadores, mais ou menos um século depois, começaram a freqüentar a escola, tem início a história de fracasso para a maioria dessas crianças. Todavia, o movimento da Escola Nova, na passagem do século XIX para o século XX, tenta reverter esse processo, questionando a relação professor-aluno tradicionalmente autoritária. Daí, passou-se a exigir um ensino que levasse mais em conta o papel ativo e participativo do aluno, além da luta por mais escolas.
               De acordo com Patto (1991), desde então, a explicação dos problemas de aprendizagem escolar se dá na confluência de duas vertentes: da medicina e ciências biológicas de um lado e, de outro, da psicologia e da pedagogia.
               Da medicina e das ciências biológicas do século XIX, a escola herda uma abordagem organicista das aptidões humanas. Essa tendência vai, posteriormente, alegar que a criança fracassa devido a problemas orgânicos. Desse modo o fracasso na escola estaria na criança, mais precisamente, no seu corpo, no funcionamento do seu cérebro. Assim sendo, o problema educacional é explicado pelo modelo médico. Segundo alguns autores, observa-se, nesse caso, a medicabilidade das dificuldades escolares, ou a patologização do ensino (MOYSÉS E COLLARES, 1992).
               Da psicologia e da pedagogia herda uma visão que valoriza as influências ambientais, e, também, mais afinada com a democracia e com os ideais liberais. Essa perspectiva salienta, entre outras coisas, a necessidade de se considerar o universo sociocultural da criança, ou seja, a bagagem com a qual ela chega à escola.
             Caminhando nessa direção várias propostas de estudo sobre o fracasso escolar foram implementadas ao longo do século XX. Ainda com o aval de Patto (1991) destacaremos as principais.
              Em fins do século XIX e início do século XX eram aos médicos que encaminhava as crianças que fracassavam na escola. Esses profissionais atribuíam as causas do baixo rendimento a alguma anormalidade orgânica, de acordo com a avaliação clínica da época. Nessas circunstâncias, o conceito de anormalidade dos hospitais psiquiátricos é estendido às escolas. Surgem, então, as classes dos alunos anormais, aqueles que não acompanham a classe. Paralelamente, nessa época, os estudos sobre as medidas das aptidões naturais avançam e testes psicológicos passam a ser usados para distinguir as crianças superdotadas e as dotadas de inteligência inferior à média. Estas eram encaminhadas para o ensino especial.
               Embora propostos com boas intenções pelos escolanovistas que se interessavam seriamente por desenvolver propostas pedagógicas suscetíveis de estimular diferentes níveis de aptidões, fez-se, de fato, uso abusivo de tais testes. O resultado foi o encaminhamento desnecessário para o ensino especial de um grande número de crianças.
              Ainda no início do século XX, com a divulgação da Psicanálise, surge uma nova maneira de se interpretar o fracasso das crianças na escola. A psicanálise chama a atenção para a importância dos afetos e da dinâmica familiar na constituição da criança. Essa nova influência faz com que, como assinala Patto (1991), da criança anormal, segundo a avaliação médica tradicional, passemos para a criança problema, aquela que não aprende em virtude de questões de ordem afetiva. Assim, agora, as causas do não-aprendizado "vão desde as físicas até as emocionais e de personalidade, passando pelas intelectuais" (PATTO, 1991, p. 44.).
             Por volta de 1920, disseminam-se, ao lado das escolas, as clínicas de higiene mental e de orientação infantil. Essas clínicas visavam diagnosticar, precocemente, crianças que poderiam vir a ter dificuldades na escola, ou que já tinham tais problemas e propor tratamentos.Preocupavam-se, também, com os problemas emocionais dos professores, pois tais problemas poderiam refletir no aprendizado dos alunos. A clientela dessas clínicas eram, sobretudo, as crianças provenientes das camadas populares. O fracasso dessas crianças era explicado no âmbito psicológico, ou melhor, houve uma psicologização dos problemas da aprendizagem.
             Em 1960 inicia-se um novo movimento, baseado na teoria da privação cultural. A essa teoria subjaz a idéia de que a cultura das camadas mais pobres da população é inferior à das camadas médias, de forma que é preciso preparar essa criança, culturalmente privada, para chegar mais preparada à escola, com maior prontidão para a aprendizagem escolar. Surge, a partir daí, a pré-escola compensatória. A criança deve ser compensada com aquilo que lhe falta. É evidente, nesse movimento, o preconceito em relação à pobreza, visto que a teoria da privação cultural considera que a cultura das classes mais abastadas deve ser tomada como parâmetro para se avaliar a cultura da outra classe, quando, na verdade, o que existe são diferenças entre subculturas e formas de linguagem. Assim, a diferença passa a ser julgada como inferioridade.
             Na década de 70 do século passado as teorias crítico-reprodutivistas provocam uma revolução conceitual no modo de se interpretar o fracasso escolar. Essas teorias denunciavam a escola como instância de seleção social que, retendo os filhos dos mais pobres, continuava a serviço das desigualdades sociais e funcionava, portanto, como mantenedora do status quo. Esse modo de funcionamento da escola, entretanto, foi obscurecido, segundo esses teóricos, pelo tipo de ideologia e pelos estilos de pensamento e linguagem que nela circulavam. Se a escola propiciasse uma educação transformadora, a apropriação do saber escolar pelas classes subalternas deveria antes constituir um instrumento para a transformação radical da sociedade, em vez de prometer ascensão social, ao estilo liberal. Assim, a escola se punha a serviço da manutenção dos privilégios educacionais e profissionais das classes mais abastadas. Na opinião de Patto (1991), interpretações equivocadas dessas teorias desvirtuaram-nas em vários aspectos. Novos debates sobre a escola, seguindo-se a um período de desilusão, passaram a discutir, posteriormente, a possibilidade de se investir na qualidade do ensino-aprendizagem como meio de enfrentar o fracasso escolar.
              Nesse contexto, as teorias de base interacionista parecem trazer novas contribuições. Os trabalhos de Ferreiro e Teberosky (1986) sobre a construção da leitura-escrita ganham força, revitalizando o construtivismo na década de 80 e propiciando a abertura de novas frentes de investigações e projetos. Destaca-se, então, o trabalho de Madalena Freire, em nível pré-escolar, realizado na escola da Vila, em São Paulo e exposto em seu belo livro A paixão de conhecer o mundo (FREIRE, 1991). Ferreiro e Teberosky (1986) demonstram que a criança não precisa esperar a entrada na escola para começar a construir, como sujeito ativo, seus conhecimentos sobre o ler e escrever. Por sua vez, Piaget já assinalava que o erro, isto é, o não saber, o não ter aprendido, poderia ser construtivo, demonstrando que, muitas vezes, quando erra, a criança está a meio caminho na construção de um novo conhecimento.
              Nesse ínterim, também, começam a ser divulgados no Brasil os estudos de Vygotsky e outros autores importantes da psicologia histórico-cultural, cuja abordagem tinha interesse especial para a educação. O conceito de zona de desenvolvimento proximal, por exemplo, sinalizava a importância da ajuda do professor no fortalecimento de competências que começam a se insinuar na criança mas ainda não lhe possibilitam resolver, por si só, uma dada situação-problema. Logo, não acertar não significa, necessariamente, estar despossuído de saber, não ter aprendido. A criança pode já dispor de um saber que precisa ser fermentado para se anunciar. Assim, a aprendizagem sob a instrução do outro passou a ser vista como condição que impulsionava o desenvolvimento.
             Vimos, assim, os marcos teóricos que geraram novas posturas perante o processo de ensino-aprendizagem, perante o saber/não saber. Contudo, seria ingenuidade nossa supor que esses movimentos produziriam uma transformação na escola, pois não podemos ignorar que a escola é uma instituição social, permeada pelos valores da sociedade na qual se insere.
             Ainda, repensando as tentativas que têm sido feitas para lidar com o fracasso escolar, destacamos um movimento que, embora originalmente voltado para a criança com deficiência, possa apresentar resultados positivos para a escolarização das crianças em geral e para as que fracassam em particular. Trata-se do movimento de inclusão, precedido pelo da integração.
             O movimento da integração, que se fortalece a partir dos anos 60-70 do século passado, pregava que as crianças com qualquer tipo de deficiência deviam ser preparadas para o convívio em sociedade e absorvidas pela escola, em diferentes níveis, de acordo com suas competências.
            Mas, nesse mesmo século, nos anos 90 o movimento da inclusão se expande e representa um avanço em relação ao da integração, pois demanda da sociedade e da escola que também se ajustem à criança. Nova legislação, a partir daí, vem garantir à criança com deficiência, o direito de estudar na escola regular. A inclusão enfatiza o duplo sentido da relação criança-sociedade e criança-escola.
             Essa noção, na verdade, transcende a questão da deficiência de modo geral pois se aplica a todos os grupos que costumam ser marginalizados. Certamente um projeto de escola inclusiva transformaria a escola tal como ela se apresenta hoje. Com efeito, deveria estabelecer novas relações entre o que se considera ensino regular e ensino especial, de forma a criar uma nova modalidade de ensino que incorporasse os conhecimentos de ambos. A especialização direcionada ao aluno com necessidades especiais, por sua vez, beneficiaria todos os alunos e exigiria da escola, entre outras coisas, manejo de classes que levasse em conta as singularidades dos alunos e bom conhecimento sobre como trabalhar com grupos maiores e menores, principalmente, os grupos cooperativos.
             Hoje em dia já não podemos mais pensar que o fracasso das crianças na escola seja uma fatalidade. De acordo com Perrenoud (2001) ele seria fabricado basicamente por três condições. Em primeiro lugar, o autor aponta o currículo. As crianças chegam à escola com níveis diferentes de desempenho de forma que umas progridem mais facilmente do que outras. Mas, isto vai depender dos conteúdos, do nível de dificuldade, da abstração e do grau de seletividade desse currículo. Quanto mais elitista a cultura escolar, maior será também a distância que separa as crianças das classes populares de tal currículo. Em segundo lugar, o fracasso se dá porque o ensino não privilegia as diferenças que existem entre as crianças, dirigindo-se de forma padronizada, a todas elas, reforçando-se, assim, as desigualdades iniciais. Enfim, fabricando o fracasso de algumas e o sucesso de outras. Por último, o fracasso das crianças ocorre em função de quando e como se avalia. Perrenoud argumenta que aos sete anos nem todas as crianças estão no mesmo nível com relação à leitura. Portanto, seria preciso definir tal competência da forma o mais razoável e o menos elitista possível, auxiliando cada criança de acordo com suas necessidades. Esse autor analisa, sobretudo, os obstáculos à um ensino que contemplasse as diferenças, sugerindo caminhos importantes para a sua superação.
               Sintetizando, apesar das pedagogias construtivistas e outras também importantes para aprimorar a qualidade do ensino; apesar do debate em torno do fracasso escolar, que teve lugar nas últimas décadas, e apontou as suas raízes, negando a sua fatalidade; apesar de tudo isso a questão do fracasso escolar ainda é um campo de estudo controvertido. De fato, como assinalamos anteriormente, desde a Escola Nova, as explicações sobre o fracasso na escola giram em torno de duas vertentes principais: uma mais voltada para a biologia, outra para o social, deixando recair a culpa do fracasso ora no sujeito da aprendizagem, ora em seu contexto social.



2 comentários:

  1. oi querida, amei seu espaço! Será que vc dispões das referencias que utilizou neste texto, é que estou produzindo uma monografia com uma tema relacionado(dificuldades na aprendizagem da linguagem matemática) e gostaria de utilizar. Desde já eu agradeço.
    http://andrezzamartins.blogspot.com
    http://mickeylandiaonline.blogspot.com

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  2. Meus emails são>> a.carla.martins@hotmail.com ou andrezzacarla469@gmail.com

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